Proibir o refil do refrigerante ajuda a diminuir os gastos de saúde?

O ministro da Saúde, Ricardo Barros, disse estudar a medida para combater a obesidade. Faz sentido o governo interferir em hábitos de consumo para resolver problemas de saúde?

A dúvida

O anúncio de que o Ministério da Saúde está negociando um acordo com redes de fast-food e restaurantes para proibir a venda de refrigerantes em refil – quando o cliente pode se servir diversas vezes por um preço fixo – despertou reações contraditórias. Houve quem considerasse a medida, ainda hipotética, um abuso da interferência do governo na vida do cidadão – até quem achasse a medida bem-vinda no combate à epidemia de obesidade. Por ora, a proibição dos refis de refrigerantes é apenas uma possibilidade no Brasil, mas medidas semelhantes já foram estudadas em outros países. Além de polêmica, elas trazem algum resultado para diminuir os gastos públicos com problemas relacionados à obesidade?

Alguém já fez isso antes?

Em 2013, o então prefeito de Nova York Michael Bloomberg ganhou destaque internacional por encampar uma luta aparentemente insólita para alguém em seu cargo. Bloomberg queria proibir a venda de bebidas adoçadas com medidas maiores do que 0,5 litro (o equivalente àqueles copos maiores em redes de fast-food). A implantação da medida, que ganhou em inglês o apelido de Soda Ban (algo como Veto aos Refrigerantes), despertou paixões de todos os tipos nos Estados Unidos e teve lances emocionantes. Um dia antes de entrar em vigor, o que aconteceria em 12 de março de 2013, a Suprema Corte do Estado de Nova York suspendeu a ação. Meses mais tarde, em julho, a prefeitura também perdeu a apelação na Justiça. A Corte americana entendeu que esse tipo de medida estava além do escopo de jurisdição da prefeitura, além de ser “arbitrária” e “caprichosa”. Será mesmo? Aqui no ÉPOCA Check-up, vamos nos ater à discussão sobre os aspectos de saúde, e não legais, de medidas como o Soda Ban americano e a possível proibição dos refis no Brasil. Ao que a ciência indica, a preocupação com o consumo excessivo de bebidas adoçadas está longe de ser uma medida “arbitrária” e “caprichosa”.

O que a ciência diz

Nem é preciso dizer que a epidemia de obesidade é um dos grandes problemas de saúde pública da atualidade. Um levantamento feito por pesquisadores britânicos sugere que já há mais pessoas obesas no mundo do que subnutridas, o inverso do que acontecia há 40 anos. No Brasil, estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) sugerem que 54% da população adulta está com sobrepeso e 20% são obesas. Entre as crianças com menos de 5 anos, 7,3% estão acima do peso.

São dados alarmantes, que impactam a saúde da população – e o bolso do contribuinte e das famílias. O ganho de peso está associado a problemas cardiovasculares, como doenças cardíacas e acidentes vasculares, diabetes, problemas nas articulações e a alguns tipos de câncer, especialmente de endométrio, mama, ovário, próstata, fígado, intestino, vesícula e rins. Um levantamento do McKinsey Global Institute, um braço da consultoria de negócios McKinsey, divulgado em  2014, sugere que quase 3% da riqueza produzida no mundo é usada para combater os males gerados pela obesidade. No Brasil, o gasto do governo com essas doenças chega a R$ 3,6 bilhões por ano, segundo análise publicada em 2015 pelos médicos Denizar Vianna Araújo e Luciana Bahia, especialistas em farmacoeconomia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Analisando dados entre os anos de 2008 e 2010, eles concluíram que o Sistema Único de Saúde (SUS) gasta, por ano, R$ 2,4 bilhões com tratamento hospitalar de doenças relacionadas à obesidade e R$ 1,2 bilhão com tratamento ambulatorial.

Os gastos privados dos brasileiros com saúde também aumentam por causa da obesidade. Pesquisadores das faculdades de Medicina e de Saúde Pública da Universidade de São Paulo calcularam, em um estudo publicado em 2015, que famílias com três ou mais pessoas com excesso de peso gastam R$ 380 a mais por mês, considerando gastos com a compra de medicamentos para doenças crônicas, consultas médicas e exames. Se as pessoas forem obesas na casa, o custo sobe para cerca de R$ 750.

Qual é a culpa dos refrigerantes?

A ciência já não tem mais dúvidas da associação de alimentos ricos em açúcar com o aumento de peso da população. Um estudo recente sugere que a maior parte dos estudos que negam essa associação é – surpresa! – patrocinada pela indústria. As bebidas adoçadas artificialmente, como refrigerantes, sucos e isotônicos, são uma das grandes fontes de ingestão diária de açúcar. No Brasil, mais de 30% das crianças com até 2 anos já experimentaram refrigerante, um dado preocupante, já que essa fase costuma ser muito importante para a formação do paladar. O resultado é que levamos esse tipo de hábito para o resto da vida. Quase 20% da população brasileira consome refrigerantes ou sucos artificiais quase todos os dias, segundo pesquisa do Ministério da Saúde. Os refrigerantes ocupam o sexto lugar entre os alimentos mais consumidos entre os adolescentes de 12 e 17 anos, à frente das frutas (todas!).

O consumo de açúcar em bebidas é especialmente preocupante. Nos últimos anos, os pesquisadores se dedicaram a entender em detalhes como a ingestão de açúcar afeta a sensibilidade do corpo à insulina, o hormônio liberado pelo pâncreas e que faz com que o açúcar entre nas células. Já há indícios de que o açúcar ingerido por meio de bebidas seria ainda mais perigoso do que aquele que vem dos doces e de outros alimentos sólidos. Nosso corpo não se sente saciado e se acha no direito de abusar de outros alimentos depois. Nem os adoçantes artificiais parecem uma salvação: alguns estudos sugerem que eles podem contribuir para o ganho de peso a longo prazo porque enganam o cérebro. Continuamos com fome porque não registramos a ingestão de calorias e, ainda por cima, ficamos acostumados ao paladar doce.

Por esses motivos, os refrigerantes entraram na mira das autoridades de saúde pública. Reduzir o consumo deles é uma parte fundamental da estratégia para conter o ganho de peso que leva a gastos de saúde que poderiam ser evitados.

E funciona?

Alguns países já recorrem a táticas mais radicais para coibir o consumo. A principal estratégia é sobretaxar os produtos, a exemplo do que já acontece com o cigarro. A medida é recomendada pela OMS que sugere, inclusive, um aumento mínimo de 20% do preço para que a medida surta efeito.

A França adotou um tributo sobre bebidas que contêm açúcar e adoçantes em 2011. Ao preço, foi acrescido o valor  € 0,071 por litro, reajustado para € 0,075 em 2015. Segundo um órgão do governo francês, houve redução no consumo da bebida, especialmente entre a população mais jovem e de baixa renda – mas ainda faltam informações detalhadas sobre os efeitos da medida em diferentes classes sociais. O México adotou em 2014 uma taxa a ser paga pelos fabricantes de bebidas que levam açúcar. O preço final do produto aumentou cerca de 10%. Os primeiros dados sugerem que, no ano da adoção da taxa, as compras dessas bebidas diminuíram, em média, 6%. O maior efeito foi sentido entre as classes mais baixas. A redução do consumo foi, em média, de 9% e chegou, em alguns casos, a 17%.

Os Estados Unidos também resolveram experimentar a medida. Em 2015, a cidade de Berkeley, na Califórnia, foi a primeira do país a cobrar mais por bebidas adoçadas. Um estudo publicado no ano passado no American Journal of Public Health investigou as consequências. As pessoas entrevistadas disseram ter consumido 21% menos desse tipo de bebida quatro meses após o início da taxa. Em outras duas cidades que não participavam da iniciativa e que foram usadas como base de comparação, o consumo aumentou 4% no mesmo período. Já o consumo de água em Berkeley cresceu 63% no período e apenas 19% em outras duas cidades – um indício de que os habitantes substituíram as bebidas adoçadas por opções mais saudáveis. Outras cidades americanas escolheram seguir o mesmo caminho: em janeiro, uma taxa sobre bebidas adoçadas entrou em vigor na Filadélfia, no estado da Pensilvânia, o que deve ocorrer também em Oakland, São Francisco e Albany, todas na Califórnia, e em Boulder, no Colorado. Nas eleições do ano passado, os eleitores dessas quatro cidades votaram a favor da medida.

Ainda há poucos estudos que mostrem, de fato, o impacto sobre a saúde pública. Levará alguns anos até que se consiga medir se os índices de doenças cardiovasculares foram reduzidos, assim como os gastos de saúde com essas doenças. Por enquanto, os estudos conseguem medir uma redução no consumo, o que, implicitamente, sugere que benefícios para a saúde devem ser colhidos no futuro.

A medida estudada pelo Ministério da Saúde aqui no Brasil – proibir os refis de refrigerantes – faz sentido do ponto de vista da saúde pública. É, inclusive, muito tímida. Desencoraja o consumo à vontade da bebida em circunstâncias específicas, mas não avança para mudar a fundo hábitos alimentares. Em teoria, a ação pode contribuir para uma redução modesta no consumo – já que é localizada – e para começar a despertar a consciência da população sobre os riscos da obesidade. Mas, para causar uma mudança de grande impacto, é necessário ir além. Metas sérias para a indústria reduzir o uso de açúcar e taxas sobre esses produtos, a exemplo do que já acontece internacionalmente, também precisam fazer parte do cardápio.

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